Sobre o Valor do Livro no Brasil

Hello Folks, aqui quem vos escreve é a Camila,
Semana passada - eu acho - estava calmamente olhando meu Feed de Notícias no face e me deparei com o post escrito pela Carol Chiovatto lá para o Cabine Literária, cujo título é: Livro no Brasil não é caro coisa nenhuma.
O título me chamou atenção, porque é muito comum escutar as pessoas falando que o preço dos livros são abusivos e demasiadamente caros, o que não concordo, não são baratos, mas o que é barato hoje em dia? Se tudo sobe, o preço dos livro também. E quem gosta de livro, não vai achar aquilo que lhe dá prazer caro.
Enfim, fiquei bastante curiosa e conferi a postagem, daí senti no meu coração que esse é o tipo de post que não devemos só guardar, mas tem que compartilhar, divulgar e fazer propaganda, porque a Carol foi habilmente sábia na matéria, então, abaixo segue na integra a matéria, espero que gostem.




Livro no Brasil não é caro coisa nenhuma



A ideia de que livro é caro no Brasil é repetida à exaustão, até por pessoas que não costumam comprar livros. Desde sempre ouço gente dizer: livro é caro aqui.

Então, por que defendo que livro no Brasil não é caro?
Já adianto que a resposta para isso é imensa. E vou enumerar cada um dos motivos pelos quais tenho plena convicção de que, não só para mim como para qualquer pessoa razoável, o preço do livro no Brasil é bastante justo.
Em primeiro lugar, muitas pessoas acham o livro caro por causa do valor que atribuem a ele — e aqui falo de valor agregado, valor psicológico, e não monetário. Explico. O preço médio de uma promoção BigMac no McDonald’s é vinte reais. É raro ouvir uma pessoa questionar o valor do lanche. Até pode acontecer de dizerem que é caro em relação a outras comidas; raramente, em relação ao seu preço no exterior.
De todo modo, por que falei disso? Porque o valor do BigMac é o valor doBigMac. Ou você compra ou você não compra e vai comer em outro lugar, gastando mais ou gastando menos. (Mas o McDonald’s continua lotado, e sempre é o mais cheio de todos os restaurantes de um shopping, pelo menos em São Paulo.)
Com vinte reais compra-se um livro em qualquer livraria, ou até dois, se houver uma daquelas megapromoções no Submarino. Ou algumas edições pocket.
Ao comentar o assunto no Facebook, recebi várias respostas dando exemplos como esse. O escritor Eduardo Spohr veio com um ótimo: é muito difícil gastar menos de cinquenta reais numa balada (em São Paulo ou no Rio, ao menos, para onde, aliás, as lojas virtuais costumam oferecer frete grátis de livros). Já o escritor José Roberto Vieira acrescentou que, somando tudo, incluindo estacionamento, não é incomum o preço de tudo chegar a cem reais.
Bem, há livros nessa faixa de preço, mas, considerando a maioria dos títulos no preço de lançamento, seria possível comprar pelo menos três com esse dinheiro.
A também escritora Ana Lúcia Merege mencionou o preço da entrada de cinema. Spohr nos lembrou também do valor de um jantar em restaurante. Se pararmos para refletir sobre as pequenas coisas supérfluas (que consumimos) do dia a dia, quase tudo alcança ou até ultrapassa o preço médio de um livro.
Vou dar um exemplo de quando estava trabalhando no estande da Vermelho Marinho, numa feira de livros. Falo de uma feira destinada principalmente a alunos e professores da rede municipal da cidade em questão, público esse que recebe vales da prefeitura para comprar livros. Como os vales de cada criança totalizam vinte e cinco reais, todas as editoras participantes descem o preço dos livros o máximo possível, para que todos possam comprar livros bons e baratos (vale notar que nessa feira participam editoras de qualidade e fama inquestionável como os selos do grupo Autêntica, Cosac Naify, Biruta e Aleph, para citar apenas algumas).
Pérolas que ouvi:

- Nossa, quanto livro caro! [de dez a quinze reais]. Cadê os de cinco? — diz a professora, ultrajada.
- Vocês não trocam isso aqui [os vales] por dinheiro de verdade não, né? — professora pergunta, e, ante a resposta negativa: — Aff, nem dá pra ir no shopping. Vou ter que comprar livro. Que que eu vou fazer com livro?
- Minha professora falou que só era pra comprar livro de cinco reais — diz criança do primeiro ano, meio assustada, meio incerta, segurando todos os vales contra o peito.

Claro que lá havia muitas professoras legais e maravilhosas, mas vamos pensar nos exemplos acima, porque não são exceção e sim a regra em todas as esferas sociais, e não apenas nas mais carentes. Muitos dos expositores da feira eram editoras bastante gabaritadas, com obras infantis premiadas no Jabuti, com obras detentoras do selo “Altamente Recomendável”.
O valor atribuído a um livro pelos editores parecia, àquelas pessoas, alto demais, mesmo que o pagamento fosse realizado com vales dados pela prefeitura. Não é por falta de incentivo do governo que muita gente não lê. Agora o pior é que essas pessoas têm influência sobre as crianças para quem dão aula, e incentivam esse tipo de pensamento.
Eu cheguei a falar para uma professora mais grosseira que ela nunca devia ter entrado numa livraria. De olhos arregalados, ela tentou negar, mas eu disse: “Não, professora, eu sei que você nunca entrou numa livraria. Se tivesse entrado, ia estar maravilhada por conseguirmos pôr tantos títulos a dez ou quinze reais”. Não se trata de uma cidade sem livrarias, nem distante da capital de São Paulo. Na verdade, é uma cidade da grande São Paulo.
Bem, saindo dessa tragédia, ainda há mais a ser dito.

O que compõe o preço do livro?
A maior parte das pessoas não faz a menor ideia da quantidade de gente que trabalha num livro. Não tem problema, eu conto.
Começamos com o autor. Esse é óbvio, né?
Ok, vamos adiante. Se o livro é nacional e inédito, quando aprovado pela editora, depois de assinado o contrato com o autor, ele vai para um copidesque. É comum que esse trabalho seja executado pelo editor, ou assistente editorial. Essa pessoa mexe na estrutura do texto. É quem manda o autor tirar uma personagem, aumentar a participação de outra, tirar cenas, acrescentar outras, reescrever outras. Entre editor e autor, essa troca pode acontecer várias vezes, ao longo de meses. Engana-se quem pensa que o livro sai como o autor mandou.
Depois que o texto foi retalhado e reconstruído, vai para um preparador de texto. Essa pessoa vai tirar repetições, incoerências, corrigir erros de coesão e dar uniformidade ao texto, em nível textual.
Seguindo-se ao preparador, vêm as revisões. Digo no plural porque é uma verdade universalmente reconhecida que, ao se mexer muito em um mesmo texto, você deixa erros passarem e não consegue mais vê-los todos. Se a preparação e o copidesque tiverem sido muito trabalhosos, o texto passa idealmente por dois revisores; o primeiro limpa o grosso e o segundo passa o pente fino. Em muitos casos pode haver um terceiro; às vezes até um quarto revisor.
Adivinhe só: todas essas pessoas são pagas. Sendo funcionários da editora oufreelas, o valor do trabalho dela será incluso no preço final do livro.
Há mais coisas depois, mas antes quero fazer o percurso até aqui no caso de uma tradução.
Em traduções não alteramos nada na estrutura do original (presume-se que já tenha passado por tudo isso na editora de origem), mas a etapa é substituída pela tradução em si. Antes disso, a editora paga um adiantamento ao autor. Lembrando que, se o livro é estrangeiro, o custo pode vir a ser pago em dólares ou euros, moedas bem mais valorizadas do que a nossa. Só depois disso, os agentes literários (pois os gringos, sempre os têm para conduzir as negociações) passam os arquivos para a tradução.
Então segue para o tradutor. Eu, enquanto tradutora, sempre faço uma revisão de tradução antes de enviar a minha parte ao revisor de tradução propriamente dito, mas isso não é a regra geral (até porque é comum prazos de tradução serem IN-SA-NOS). O livro então sai do tradutor e vai para o revisor de tradução, que vai pôr o original e o texto traduzido lado a lado e ver se o tradutor não pulou nenhuma frase, ou se deu uma escorregada em alguns pontos, o que é trabalhosíssimo.
Daí vem um peso gigante sobre o revisor de tradução, porque recai sobre ele a tarefa de pescar coisas que possam escapar ao tradutor. Só que ele também trabalha com as duas línguas.
Depois do revisor de tradução, a obra vai para o preparador de textos, porque não basta a tradução estar boa; ela tem que parecer um livro escrito em português (gente, sigam meu perfil aqui no Medium, porque eu escrevo textos sobre tradução e explico melhor esses detalhes do processo da tradução, e o motivo de cada coisa).
O preparador não costuma ver a obra original (a menos que vá fazer também a revisão de tradução), só a traduzida, e seu trabalho consiste principalmente em dar cara de língua portuguesa a ela. Dependendo do tradutor, esse trabalho é mais difícil ou mais fácil.
Após o preparador, o texto passa por dois revisores, pelos mesmos motivos de que já falei no caso das obras nacionais.
Adivinhe? É, toda essa galera é paga.
Se o livro tiver ilustrações internas, o ilustrador entra no processo. Então vem a diagramação, que não é feita por mágica, mas sim por uma pessoa. O livro costuma passar por uma revisão depois que a prova é impressa, em seguida o diagramador faz as correções necessárias.
Entram os responsáveis pelas orelhas e quarta capa, o capista…
Ufa! Acabou?
Ora, a coisa toda só começou. Até aqui não temos exatamente um produto. O livro diagramado e a capa vão para a gráfica (que tem custos de papel, tinta, máquinas…), e de lá ele sai como uma coisa física, real, comercializável.
Sai como? Andando? Não. De transportadora — de onde virá para a editora a conta do frete.
Bem, e quando os livros chegarem, para onde vão? Para um estoque, cujo espaço é pago pela editora, porque nada é de graça nessa vida.
É bom ressaltar que até aqui a editora só pagou e ainda não recebeu nada (nem sabe se vai receber, aliás, porque vendas não são garantidas).
Enquanto isso acontece, o pessoal do marketing está fazendo o que pode para promover o livro com o que tem ao seu alcance: mídias sociais, blogs parceiros, anúncios e compra de espaço em vitrines (no caso de editoras maiores), eventos. E o povo do comercial está vendendo o livro para as livrarias e/ ou distribuidoras. Via de regra, 50% do preço da capa fica com a livraria. Que, vale ressaltar, não é nenhuma vilã. Na verdade, não há vilão.
A livraria, por sua vez, tem vendedores, compradores, funcionários de caixa, aluguel do espaço/ imposto, em alguns casos despesa de estoque, pessoal de logística, administração, financeiro… Logo, o lucro dela também é pequeno.
Quando há distribuidor, este fica com 10% do valor.
Voltemos à editora. Aqueles 50% do preço de capa (ou 40%, caso a venda seja feita via distribuidor) que ela vai receber por exemplar (estamos supondo que todos vendam, hein, e isso não é sempre o que acontece) vão pagar a gráfica, suas contas, os profissionais e o autor, e eventuais empréstimos (porque nem todo mundo tem vários milhares de reais para investir logo de cara).
Ah, o acerto das livrarias varia, mas costuma ser para noventa dias depois da venda do livro ser efetuada para o consumidor. É que as livrarias, como têm todas as suas próprias despesas, não fazem sempre compra de fato (quando o pagamento é para trinta, sessenta ou noventa dias), preferindo fazer consignação. Ou seja, pagam o produto só depois que o consumidor final (o leitor) efetua a compra.
Toda a cadeia para fazer o livro chegar à livraria já foi paga.
Há coisas que ajudam a baratear todo esse investimento? Sim. Uma das mais expressivas é a quantidade de livros impressos, porque, quanto mais você imprime, menor o valor por exemplar. É por isso que livros de mais ou menos o mesmo número de páginas e mesma qualidade gráfica podem variar até trinta reais dependendo do tamanho da editora: as maiores têm como rodar dez mil livros numa só tiragem (o que é bem raro mesmo para elas), enquanto nem todas as pequenas conseguem fazer uma tiragem de mil. Na verdade, para algumas dessas, mil livros é uma tiragem imensa, ambiciosa.
Ah, mas se diminuir a qualidade gráfica, fica mais barato!, você me diz.
Isso nos leva a outro problema…


A questão dos livros estrangeiros baratos
O argumento mais frequente para se alegar que o livro brasileiro é caro, é: no exterior, você encontra livros de três dólares/ euros, mas não fazem edições tão baratas aqui.
Antes de qualquer outra coisa, os livros baratos são ou obras em domínio público há muito tempo (clássicos) ou best-sellers. Ninguém faz edição barata de lançamento. Só fazem mass market paperback (aquele livrinho bem modesto, com miolo em papel “de pão”, capa que rasga com um sopro e formatação minúscula) de sucessos estrondosos, depois de tiragens de lançamento terem se esgotado (rápido, senão não é best-seller).
Na Europa, especialmente na França, livros de crítica literária e de arte e ciências humanas ganham pockets. Você precisa entender o quanto isso é sintomático. Só livros que são absoluto estouro de vendas ganham edições de bolso. Temos de levar em conta que as edições iniciais por lá são de cinco, dez mil livros. Aqui, em caso de livros técnicos, se mil venderem em cinco anos, ele é um arraso.







Outra coisa muito importante dentro desse quadro que você precisa ter em mente é que os livros best-seller americanos estão em sua língua nativa, portanto eles não têm um alto investimento em tradução para recuperar. Assim sendo, os primeiros investimentos para colocar um lançamento no mercado tendem a ser recuperados mais depressa. Ou seja, um livro de bolso brasileiro do George R. R.Martin dificilmente vai ser tão barato quanto um americano, mesmo tendo a mesma (baixa) qualidade e (alta) tiragem, pois aqui se somam os custos de tradução e demais trabalhos editoriais que o original não recebe, bem como o adiantamento de direitos autorais já mencionado.
Além disso, a qualidade gráfica desses livros baratos é muito inferior à dos nossos livros. Na verdade, mesmo as edições de luxo: eles não imprimem a capa na parte dura, põem sempre uma luva em papel couché ou similar (que amassa e rasga que é uma beleza).
Por que não fazemos edições baratinhas, então? Aqui, até as editoras de livros pocket usam qualidade gráfica melhor, usando no mínimo offset (o papel branco normal).
Por mais que eu conheça pessoas que declaram gostar de comprar edições estrangeiras, e que gostariam de ter similares aqui, a realidade tem se apresentado diferente desse discurso.
O nosso público leitor é menor e mais exigente em questão de qualidade de material.
Se você discorda, repare em algumas situações que se repetem atualmente. Por exemplo, em megapromoções do Submarino, é comum o livro vir com qualidade inferior: capa mais fina, brilhante (no lugar daquela fosca com verniz localizado), papel branco (no lugar do amarelo), sem orelhas.
Você vê pessoas falando: “Nossa, que legal, baratearam a edição para conseguir vender mais barato”? Até que vê. Às vezes. Mas o que testemunhamos mais é uma enxurrada de “Aff, fui enganado, olha que livro vagabundo, não é a edição da livraria”. Claro que não, cara pálida. Você faz ideia do quanto custa imprimir um livro (especialmente os mais grossos) com orelhas, capa em papel supremo, fosca, com verniz e miolo em pólen ou avena (amarelos)?
Reclamam da qualidade das edições feitas para vendas ao governo, destinadas à distribuição em escolas públicas, por terem qualidade gráfica muito inferior.
Nas feiras de livros, das menores às bienais, enquanto vendia livros, vi muita gente deixando de comprar tal livro porque o papel é branco, porque não tem orelha, porque a formatação parece “espremida”.
O povo adora as edições de bolso capa dura da Zahar, né? Quer edição bonita, tem que pagar por ela, porque a editora já pagou.
O mercado literário, como qualquer outro, é regido pela lei da oferta e da procura. Se as editoras recebessem verdadeira demanda de edições mais simples e baratas, elas as colocariam no mercado. Em vez disso, o pouco que se coloca costuma ser desdenhado e demorar mais a vender. Até as editoras especializadas em publicação de edições de bolso estão cada vez mais criando edições de bolso “de luxo”. Esse movimento tem uma razão de ser, ou não aconteceria. Algo que demora a vender configura dinheiro investido sem retorno, dinheiro parado, prejuízo.
Daí você me diz: “mas eu compro edições gringas, então sou consumidor desse tipo de livro”. Compra, e reclama que rasgou, que a lombada fica danificada. E você não é maioria (novamente, se fosse, haveria o produto no mercado).


Uma última palavrinha sobre megapromoções
Cito Submarino e, mais recentemente, Amazon, por serem as lojas que trazem promoções de livros físicos a R$ 9,90, box de cinco livros por R$ 40,00, e outras coisas igualmente insanas.
Como isso é possível?
Há duas situações.
Em uma delas, feliz, os livros já se pagaram e agora só dão lucro. Se a loja recebe R$ 9,90, à editora é repassado valor bem menor que esse. Podemos chutar uns 50%? Muito, mas sejamos otimistas. Então as tiragens são imensas (custo de gráfica menor por exemplar), o autor recebe direitos autorais em condições especiais (geralmente sobre o preço de venda, e não o de capa), e o investimento inicial da editora no trabalho editorial, publicitário e comercial já foi recuperado.
Se não for nessas condições, a promoção só é possível com encalhes — livros que não vendem e dão prejuízo à editora se muito tempo parados no estoque, já que o estoque é pago de todo modo. Então, a participação em uma promoção dessas é uma forma de perder menos dinheiro.
Então, para concluir, é o seguinte: se o livro vender muito, ele fica mais barato.
Se o preço não abaixa, costuma ser porque ainda não se pagou.
Se o preço abaixar sem o livro ter se pagado, ele dá prejuízo aos envolvidos.
Se o livro não se pagou, é porque não vendeu.
Considerando tudo o que expliquei neste longo texto, não acho o livro caro no Brasil. Mas, se você quiser achar, tudo bem. Só entenda que você, na qualidade de consumidor, tem uma parcela de culpa nisso.

You Might Also Like

0 comentários

Obrigada pelo comentário!

Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de livraria.;
(Jorge Luis Borges)